Pare! Dê um tempo no que tu tiver fazendo. Desligue o carro, se tu for sair de carro, deixe ele na garagem e volte a dormir um pouco mais. Renda-se a preguiça merecida. Quando tu acordar e se espreguiçar por longos minutos, saia calmamente do seu quarto, vá até a cozinha e tome o seu café com bastante calma. Tu merece. O mundo não vai acabar se tu fizer isso, e tu não vai perder toda a sua riqueza cotidiana. Solte-se. Saia do seu trabalho um pouco mais cedo. Vá dar uma volta, aproveitar o resto do dia e vê-lo morrer num beeeeeeelo pôr-do-sol. Saia da aula. Feche o livro. Hoje tu não vai precisar aprender regras e princípios físicos ou químicos, datas, fatos ou tratados filosóficos. Ao invés disso vá à sorveteria e se lambuze com um imenso sorvete do seu sabor predileto. Vá ao cinema, comer pipoca, abraçar e beijar. Saia com os amigos, mate a aula antes que ela lhe mate. Vá beber com os amigos. Discutir com eles Sartre, Marx, Gabriel García Marques, Hermann Hesse, Sócrates, Platão, Jesus Cristo, José Saramago, Bento XVI ou outro louco que esteja disposto a sentar-se metafisicamente em uma mesa de bar conto e teus amigos. Aproveite para escrever uma poesia sobre a miséria e sobre a humanidade hipócrita que vira o rosto quando lhe vem mendigar por algumas moedas um menino no farol, após lambuzar o pára-brisa do seu novo carro novo. Ou então, que contribui com um quilo de alimento não perecível para a campanha do natal sem fome, onde os atores universais fazem cara de tristeza e comoção como se estivessem diante de algum fato novo e cospem um jargão que se repete a cada natal quem tem fome, tem pressa. Pelo menos no Natal os verdadeiros brasileiros ganham status de celebridade e audiência na tv. Globo. Eles aproveitam para aliviar o seu coração burguês dos ‘pecados’ cometidos ao longo do ano e trocam essa contribuição sincera por quatro existências longe do purgatório. Use vermelho pelo menos uma vez no mês. Solte o cabelo. Ouça blues, jazz, rap latino, samba, Beethoven, Bach, redblues, B.B King, Mozart, The Doors, Caetano Veloso. Leia pelo menos uma vez na vida O Pequeno Príncipe, Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade, Olavo Bilac, Trotsky, Dostoievski, Pablo Neruda. Não deixe de assistir ao filme O Carteiro e o Poeta. Leia qualquer coisa, mesmo que seja uma bula de remédio, para que tu evite as contra-indicações e angústias que uma boa leitura pode trazer, como por exemplo, fazer-lhe questionar-se ‘existir, a que será que se destina?’. Se ao acordar tu passa de cinco a dez minutos pensando nos problemas da vida, pensando nas contas que tu não tem dinheiro pra pagar, ou então fica imaginando como seu dia vai ser igual a tantos outros dias já vividos: trabalho, estudo, casa, trabalho, estudo, casa, e nenhum amor, e nenhuma emoção, tudo se repetindo como um círculo vicioso, mais um capítulo do vale a pena viver de novo. Saiba que esse tempo é em vão, pois as contas vão continuar atrasadas se você não tiver dinheiro para pagá-las, e seu dia só vai ser igual a tantos outros se tu não ousar correr riscos e ficar apenas no ‘se’. Esse tempo pode ser o tempo de aprontar uma poesia. Escreva uma, se achar que não é capaz, tome um trago de café e livre-se das amarras que lhe impede de rabiscar uma página em branco com suas idéias revolucionárias ou não, apaixonadas ou não. Após escrever a poesia, procure alguém que esteja disposto a lê-la ou ouvi-la. Sinta a angústia da espera por uma opinião a respeito do texto ou da poesia, que acompanha todo aquele que transcreve o que essa pessoa dita. Mas uma coisa é imprescindível: que tu sinta orgulho do que produzir, a poesia não tolera falsa-modéstia. Sinta o prazer de um sorriso de auto-ironia. E se o seu ônibus passar, deixe-o ir, sempre vai haver um trem ou um último ônibus das onze. Se você acordar com uma vontade imensamente estranha de mandar flores pra alguém que você gosta, e estiver pensando se deve fazê-lo ou não, um conselho: arrisque tudo! Prove que você é digno da vida. Sentir medo é natural, o difícil é tentar vencê-lo. Mande as flores, mesmo que a pessoa que as receber ignore o seu gesto. É melhor um desejo realizado a angústia da dúvida, do talvez... Se tiver gostado muito de um poema que acabou de ler e queria ter escrito aquele poema para alguém que você gostou ou gosta, copie o poema e entregue, mas se você achar que não vai ficar tão bom quanto o do livro, ou então tiver vergonha da sua letra ou mesmo tiver medo de cometer erros de português, destaque-o do livro, entregue a pessoa e depois vá embora. Não traga em si remorsos ou sentimentos de culpa pelo que tu fez, o poema não pertence ao poeta, a razão de ser do poema é ele encontrar o seu destinatário, aquele que vai dar um sentido ao poema. Procure caminhar algumas horas por dia. Ande descalço, sinta o prazer do seu pé tocando o chão. Veja a vida em movimento. Perceba a cidade acordando nos rostos, ainda sonolentos, dos alunos indo para as fábricas de brinquedos com suas bolsas enormes nas costas carregadas de livros, enquanto na cabeça só há sonhos. Observar o proletariado esperando que o patrão venha abrir os portões das galés, esbarrar com os primeiros mendigos lhe pedindo um real pra comprar pão (sendo que eles não irão comprar isso...). Para ouvir a rádio central - a rádio que não é rádio - anunciando em suas trombetas o novo dia que se inicia. Ouvir os primeiros gritos de ‘pode entrar freguês amigo, a calça está na promoção hoje, entre pra dar uma olhadinha’. Ande no meio do povo, converse consigo mesmo e medite sobre tudo o que você ver. Pegue um ônibus, comece a conversar com a primeira pessoa que sentar ao seu lado, tente puxar assunto, mas se de repente ela chamar a polícia, não se assuste, ela acha que você é algum tipo de louco. Se não quiser correr o risco de ser preso por tentar conversar com alguém que lhe trataria bem melhor em um bate-papo virtual pelo MSN, procure apenas ouvir o que as vozes dizem ao seu redor dentro do ônibus. Tente identificar alguma coisa que não seja reclamação da vida que leva, mergulhe na babel e tente não se absorvido por ela. Se estiver se sentindo só, procure os amigos para conversar, para rir um pouco ou mesmo para chorar. Eles existem para isso, são verdadeiros depósitos de mágoas, ou se preferir, trave suas lutas no deserto do seu corpo a sós, com suas dúvidas, dilemas, escolhas, angústias, conte apenas com você mesmo. Mas se achar que não consegue sozinho... grite! Alguém vai lhe ouvir e virá em seu socorro para oferecer-lhe um ombro ou uma palavra amiga. Assista a televisão pelo menos uma hora por dia. É sempre bom ver como as coisas não são, e como elas não acontecem. Saber também como são chamados aqueles que lutam pelo que acreditam e pelo que amam, com bandeiras ou não. É sempre bom ver como a vida não é, Globo onde a gente não se vê de forma alguma! Assista às novelas, seja insultado em horário nobre. Veja como toda traição é justificada. Observe como todo esse padrão de sociedade vomitado em horário nobre não passa de mera perfumaria, hipocrisia pura, não passam de valores burgueses, na prática não valem porra nenhuma. Todos se enrubescem ao ouvir as palavras sexo, orgasmos múltiplos e toda forma de prazer, mas ninguém se indigna ao ouvir as palavras guerra, fome, genocídio, invasão, ódio. Quanta hipocrisia carrega essa ‘pobre vaidade de carne e osso chamado homem’, quanta? Após passar o efeito do anestésico televisivo, olhe ao seu redor e veja como sua vida não é igual a deles: lá não há dívidas, não há tristeza, não há negros como patrões, não há fome, nunca vi em nenhum capítulo um mendigo pedindo uma ‘sobrinha de comida’ na novela das seis, das sete ou das oito. Geograficamente, através da novela, a Europa até parece ser bem aí, é só pegar Brasília, os EUA estão sempre de braços abertos para os brasileiros, desde que sejam cowboys. Vaqueiro não pode. Ele pode ser confundido com um terrorista terceiro mundista. Ame e ame sempre e cada vez mais. Seja feliz, não desista nunca da felicidade, ela é como uma utopia, você anda dois passos a procura dela, e ela, sarcasticamente, anda quatro a sua frente. Só pra ver se você a quer realmente. Queira, corra os riscos necessários e seja feliz. A vida é um dom, uma certa magia, uma força e um magnetismo indescritíveis. Viva o real, viva a sua loucura; a vida é tudo, a imagem é nada!